terça-feira, 19 de abril de 2011

Sobre o conto "O veredicto" de Kafka

O conto O veredicto de Franz Kafka pode ser dividido em duas partes principais. A primeira é caracterizada por uma representação realista do mundo em que os fatos não desafiam as expectativas do leitor e a narrativa é bastante plausível. Por sua vez, a segunda parte, que se inicia a partir da pergunta feita pelo pai: “tens de verdade esse amigo em São Petersburgo?” rompe com o desenvolver de uma narrativa verossímil e proporciona a mais recorrente sensação aos leitores dos textos de Kafka: uma sensação terrível de confusão e perplexidade.

Sendo assim, observa-se nas primeiras páginas do conto que o jovem comerciante de sucesso Georg Bendemann mantém correspondência com seu amigo que se mudara para São Petersburgo na Rússia e que, infelizmente, não estava tendo o mesmo sucesso financeiro de Georg. Preocupado com seu amigo, Georg não o informa de seu recente noivado, nem de seu sucesso nas finanças, pois pensava que “ele teria inveja” ou se sentiria inferiorizado diante de seus amigos. Eventos como a recente morte de sua mãe e a proximidade de seu casamento são narrados. O mundo desta primeira parte do conto é o mundo real e plausível em que fatos sucedem uns aos outros e que são regidos por leis estritamente naturais. Kafka propositalmente quebra aquele “contrato” implícito entre escritor e leitor, o qual legisla que sobre as primeiras páginas de um conto, romance, ou biografia se devem estabelecer com que tipo de leitura o leitor irá se deparar. Ou seja, se a narrativa se passa em um mundo regido por outras leis, onde fantasmas e dragões são possíveis ou se ela se submete as leis do mundo real.

É, portanto, a partir do encontro com seu pai em seu quarto escuro que o mundo da subjetividade do autor é expresso. Nesse momento a realidade com suas leis são distorcidas pelos sentimentos do narrador e eventos inverossímeis começam a acontecer. O pai de Georg, recuperando-se rapidamente de sua fraqueza, se ergue em pleno vigor e o acusa de egoísmo e negligência para com ele, diz ainda que a morte da mãe de Georg não o afetou e que o casamento era um desrespeito com a memória de sua genitora. Por fim, o pai o condena a morte por afogamento e surpreendentemente Georg se sujeita a condenação e pula de uma ponte.


A condenação é fundamentada em leis familiares, as quais não são bem delimitadas. O mundo kafkiano é regido por leis semelhantes, o homem vive no mundo como se participasse de um ritual do qual não sabe as regras. O poder autoritário de seu pai é estendido a todo mundo, poder que toma a forma de uma lei sem conteúdo e sem razão. Esta lei se encarna na condenação inelutável dos personagens de Kafka. O leitor assim como o personagem se encontra alienado da realidade, não se sabe a justificativa para os fatos mais simples. Burocracias, quartos escuros, sentenças, leis vazias, confusão... é tudo o que se sabe.

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