domingo, 5 de abril de 2009

AS ORIGENS DA FILOSOFIA


1- Onde nasceu a filosofia, Oriente ou Ocidente?

As origens das coisas geralmente estão envoltas em mistério, as origens de um povo, de uma família, de um costume etc. E, por isso mesmo, suscitam polêmicas e discussões ferrenhas. E a mesma coisa acontece quando se buscam encontrar as origens da filosofia.
A discussão acerca das origens da filosofia esteve, num primeiro momento, voltada para o problema Oriente-Grécia. Teria a filosofia nascido na Grécia ou suas origens se encontram no Oriente?
A maioria dos historiadores admite que a filosofia comece com os gregos, ademais é possível observar que, em detrimento dos conhecimentos assistemáticos dos orientais, os gregos do século VI a.C. buscavam uma unidade de compreensão da realidade que coordenasse os dados da esfera sensível numa visão globalizadora. De modo que os “orientalistas” (que defendem a posição de que a filosofia surgiu no Oriente) não puderam comprovar coisa alguma, só conseguiram estabelecer analogias e paralelismos.

2- A mudança de perspectiva.

Houve uma mudança de prisma com o desenvolvimento da arqueologia e o interesse pela mentalidade arcaica ou primitiva. Se antes as origens da filosofia eram estudadas pelos historiadores como se eles procurassem um marco que indicasse: Aqui nasceu a filosofia! Agora percebem que o problema é mais sutil, que se relaciona com um processo que gerou uma mudança de compreensão da realidade. Como a mentalidade mítica deu lugar à mentalidade filosófica?
A partir do século VI, segundo uma tradição que remonta aos próprios gregos antigos, nasce com Tales de Mileto essa nova visão da realidade. Não eram mais os mitos de origem que explicavam e davam sentido a nossa realidade, mas, ao contrário, a nossa realidade cotidiana poderia explicar as origens do universo.

3- Burnet x Conford[1].

J. Burnet e F.M. Conford discutem a questão de como aconteceu essa passagem do mito a filosofia. Burnet defende que a revolução intelectual que se deu entre os Jônios foi inexplicável em termos de causalidade histórica, acontecera o chamado “Milagre grego”, e diz: “seria inteiramente falso procurar a origem da ciência jônica numa concepção mítica qualquer”. Enquanto Conford afirma que não há uma ruptura drástica com os mitos na filosofia, pelo contrário a filosofia se aproxima mais de uma construção mítica do que aquilo a que chamamos ciência. A filosofia nascente apenas laicizou as concepções religiosas e as pôs sob uma linguagem mais abstrata. A questão das origens era a mesma abordada pelos mitos: como o universo nasceu do caos? As explicações são dadas nos mesmos moldes, de modo que os deuses apenas deixaram de ser deuses para serem elementos da natureza. “Por trás desses elementos perfilam-se as antigas divindades da mitologia”. A organização geral do pensamento permanece a mesma entre o físico e o teólogo. Mas apesar das analogias não há continuidade entre o pensamento mítico e a filosofia. Pois há nos filósofos uma nova atitude intelectual. Explicam as origens sem mistérios, ao nível da inteligência humana. As investigações sobre as origens poderiam ser debatidas como qualquer outro fato corriqueiro. Não precisam recorrer aos mitos para entender a realidade, pois basta observar como a natureza opera hoje para saber como ela operou no passado e em sua origem.

4- Por que Tales de Mileto é o primeiro filósofo[2]?

Nietzsche nos explica em sua obra “A filosofia na idade trágica dos gregos” porque devemos levar a sério a tão absurda proposição de Tales: “tudo é água”.
a) A proposição de Tales enuncia algo sobre a origem das coisas. Porém isso ainda deixa Tales na comunidade dos religiosos (fazedores de mitos).
b) Tales chega a essa concepção sem imagens ou fábulas, ou seja, ele é indiferente a toda concepção mítica ou alegórica. Esse aspecto já o separa dessa sociedade (religiosos) e mostra-o como investigador da natureza.
c) Na proposição de Tales está contida a idéia de que “tudo é um”, embora em estado de crisálida. E isso faz de Tales o primeiro filósofo grego.

Tales saltou por cima de todas as teorias físicas da época, usou a ciência e logo em seguida a transcendeu. Aristóteles nos diz na Metafísica que Tales teria chegado a essa concepção devido a suas observações empíricas. Teria percebido que os alimentos de todas as coisas são úmidos e que o calor procede da umidade, que os corpos quando morrem secam etc. Porém Nietzsche nos diz que as observações de Tales “não teriam permitido ou mesmo sugerido esta generalização gigantesca”. Pois a filosofia, ao contrário do pensamento calculador e mensurante (científico), não necessita construir fundamentos que a sustentem para seguir adiante, ela se serve de hipóteses, mesmo frágeis, para seguir rapidamente impulsionada pelo poder da imaginação, do pressentimento e da intuição. Por isso ela chega tão rapidamente ao conhecimento da totalidade – tudo é um.

Renato dos Santos Barbosa.
[1] Vernant, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. São Paulo: Difel, 1986.
[2] Nietzsche, Friedrich. A filosofia na idade trágica dos gregos. Tradução de Inês Madeira de Andrade. Lisboa: Edições 70. Coleção textos filosóficos.