segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Nietzsche: Valor da vida, Moral, Religião, Metafísica da linguagem.

SÓCRATES E O PROBLEMA DO VALOR DA VIDA

Se a vida não pode ser valorada, o que explica então o fato de que sábios tenham submetido à apreciação o valor da vida? E mais, o que explica que esses homens considerados sábios tenham atribuído pouco ou nenhum valor a vida? De fato, a vida não pode ser valorada e por motivos óbvios: Seria preciso primeiro estar fora da vida (NIETZSCHE, 2006, p. 36) como um Brás Cubas de Machado de Assis, tendo a imparcialidade necessária para poder emitir um julgamento sobre a vida. E ainda assim, esse julgamento repousaria sobre sua própria vida, e, portanto, em segundo lugar, é preciso para tal empreitada ter vivido todas as vidas, de todas as perspectivas possíveis.

O motivo para que tantos sábios, e principalmente Sócrates, tenham julgado a vida foi que eles “perceberam” uma Razão adjacente a esse mundo, mas que não se coaduna totalmente com ele. Em diálogos socráticos como o Lísis (só para citar um), o pensamento acerca da amizade leva as personagens do diálogo a não reconhecerem sua própria amizade como sendo amizade. De posse dessa Razão os sábios a colocaram em contraposição ao nosso mundo e a vida. Imaginaram um mundo para que pudessem julgar o mundo real. E o pior é que ao contrapor os mundos, o mundo real e com ele a vida verdadeira se tornaram mentiras.

Porém, não adianta procurar motivos dentro da lógica interna dos discursos desse consenso de sábios, (consenso que parece legitimar esse julgamento) no final das contas na base dessa valoração da vida reside uma enfermidade, uma fraqueza nas pernas. Esse julgamento à vida não passa de um sintoma, no fundo há uma natureza enferma, uma doença que faz com que o doente negue o próprio corpo e com ele toda sensibilidade, como se esta não fosse um critério de conhecimento seguro. O consenso de enfermos: assim se deveriam chamar e não de sábios, pois estes não souberam saborear a vida.

MORAL E RELIGIÃO – POR QUE ELAS ERRAM?

Essa compreensão enferma do mundo e da vida tem conseqüências aterradoras na moral e na religião. Uma visão negativa do mundo diminui o desejo de vida, exalta a mortificação do corpo. Tudo o que temos de mais precioso é jogado fora, quer-se a morte (NIETZSCHE, 2006, p. 23). E uma moral é pautada sobre essa visão. A razão é o guia do homem, mas ela o guia para a morte. É a melhor maneira de morrer ainda estando vivo.

Uma ação segundo a razão é uma ação universal, pois todos os homens são racionais. É a ação perfeita que todos devem imitar. Mas essa ação segundo o imperativo categórico de Kant está sendo regida pela mesma razão que nega o devir, que nega o corpo. O encaixe perfeito entre socratismo-platonismo e cristianismo. “Tu deves isso, tu não deves aquilo” diz o sacerdote, e tudo que afirma a vida e a sensualidade deve ser rejeitado e o que nega a vida deve ser aceito. A vida segundo essa moral é pautada sobre uma crença no que não se pode conhecer, uma crença absurda.

Toda moral e toda religião erra na medida em que universaliza ações, em que destrói individualidades. O cristianismo surgiu para Todos, não só para judeus; transformou-se em religião do Império romano; equacionou todo o ocidente em um único rebanho que não tolerava as diferenças. A crença no Ser, na Razão, na linguagem está na base de toda religião e moral e, por isso, erram.

NIETSZCHE APONTA PARA UMA ALTERNATIVA PARA A MORAL E A RELIGIÃO?

Se devesse haver uma moral, essa moral seria natural, teria que afirmar a vida. Seria o oposto da moral antinatural em tudo. Mas o que é uma moral? É um padrão de conduta, e como tal, orienta-nos a fazer isso e aquilo e a não fazer isso e aquilo outro de maneira universal. Mas onde há igualdade e imutabilidade é no reino da Razão e não em nosso mundo do devir. A nossa fisiologia é tão singular que não nos permite se deixar levar por uma regra que nos impõe igualdade e permanência. Não existe igualdade no mundo, no máximo semelhança.

Se estabelecêssemos uma moral natural, esta seria apenas uma corrupção da moral segundo a razão: a moral antinatural. Uma moral não pode ser natural, pois está intrínseco no conceito de moral a universalidade e o que é universal pressupõe igualdade, permanência, regularidade de causas e efeitos. No nosso mundo não há igualdade nem permanência, nem tampouco regularidade entre causas e efeitos. O filósofo inglês Hume mata a certeza na conexão necessária entre causa e efeito, e é Nietzsche quem fecha a tampa do caixão. O nosso mundo virou o mundo de Alice e a todo o momento estamos à beira do abismo.

Nietzsche é imoralista não no sentido de ser um libertino como muitos pensam, mas no de ver a impossibilidade de uma universalidade em nosso mundo do devir. Ele é imoralista pela impossibilidade de haver uma moral que afirme a vida e o mundo. A alternativa para moral e a religião é a negação de ambos.

METAFÍSICA DA LIGUAGEM – A SUBSTANCIALIZAÇÃO DAS COISAS

Parece natural que o homem olhe o mundo antropomorficamente, pois muito do conhecimento que nós adquirimos tem raízes em uma compreensão antropomórfica da realidade. Porém isso nos fez incorrer em erros. Considerar fenômenos da natureza como agentes e pacientes, devido a uma analogia com nossos atos, foi o maior dos erros. Foi considerar que a linguagem dava conta do entendimento do mundo. No mundo não existe um sujeito, um subjectum como na linguagem, pois nada subjaz ao fenômeno. Não há nada que dê sustentação e permanência ao mundo, pois só há movimento e luta constante entre contrários em uma dinâmica evanescente.

A causalidade na natureza nada mais é do que a extrapolação do conhecimento interno da vontade para as coisas externas. Porém o Eu que tem vontade não passa de uma ficção humana, pois neste mundo não há identidade, não há permanência. Logo, a idéia de causalidade vai por água abaixo. Não existe mais um sujeito que age sobre algo, mas sim um jogo de forças equivalentes que se alternam entre si no poder.

Nós não podemos, acertadamente, dar atribuições a um “objeto”, uma vez que este não será mais o mesmo no momento em que começarmos a atribuir certas características a ele. Ele nem mesmo pode ser chamado de objeto, já que não há um sujeito. Nós só podemos meramente indicar, apontar com o dedo como Crátilo, e esperar que quem nos vê não nos entenda como um sujeito que aponta um objeto, pois o mundo não se dá dessa maneira.

A linguagem quer um Ser que não existe, pressupõe uma permanência que nunca existiu no mundo. A linguagem põe o homem que se deixa guiar por ela nos maiores apuros, pois ela quer sempre uma causa, um sujeito. Onde está o Sujeito do mundo? Onde está Deus? Nós sempre desejamos a razão suficiente, porém a razão que encontramos nunca basta. O sujeito do mundo não pode ter causa, porém para tudo há uma causa. A linguagem é contraditória, a Razão tem uma dose de irracionalidade.

BIBLIOGRAFIA

NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos ou Como se filosofa com o martelo. Trad. Paulo César de Souza. – São Paulo: Companhia das Letras, 2006