sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Pensamentos Metafísicos


A obra de Spinoza chamada Pensamentos Metafísicos foi escrita como apêndice de uma outra obra sua chamada Princípios da filosofia cartesiana, à qual, por vezes, remete o leitor. Mas, embora seja um apêndice, é uma obra profunda em que os conceitos metafísicos são explicados e podemos entrever as principais concepções da filosofia de Spinoza. É um texto difícil de ler, pois Spinoza se utiliza da linguagem dos escolásticos, o que dificulta a compreensão de certos termos. Portanto, é necessária uma leitura atenta e sempre retroativa, visando à consulta das definições dos termos empregados por ele. No entanto, é sempre prazeroso quando, depois do esforço para a compreensão, finalmente conseguimos entender um texto.

No capítulo III da primeira parte somos levados a raciocinar acerca das afecções dos entes, ou seja, aquilo que nos afeta e faz com que percebamos a existência das coisas, de modo a esclarecer quais das afecções consideradas pelos pensadores metafísicos eram realmente afecções do ente ou não. E aqui vemos a concepção de que Deus é um ente que tem a afecção da necessidade, visto que sua existência é causada pela força de sua própria essência, e, além disso, é causa de tudo o mais. Pois as coisas criadas não existem por elas mesmas ou pela força de sua essência e precisam de uma causa que, em última análise, é Deus ou a natureza, ademais até a essência do que existe é proveniente de Deus, portanto, em um primeiro momento poderíamos dizer que as coisas têm uma existência possível, mas que uma quimera, ou seja, aquilo que tem uma natureza contraditória em si mesmo como, por exemplo, um círculo-quadrado, não poderia nem mesmo ser concebido em nossas mentes, de modo que não poderia estar entre as afecções do ente a impossibilidade.

Entretanto, mesmo a afecção da possibilidade, considerando que todas as coisas foram decretadas por Deus desde a eternidade, não deve ser tomada por uma afecção, mas como um defeito do nosso raciocínio, pois se as coisas foram determinadas pelas leis eternas de Deus, necessariamente têm de existir, ou seja, têm a afecção da necessidade, porque Deus é imutável e não altera seu decreto, cuja força inicial se estende por toda a eternidade com o mesmo poder inicial, visto que a força necessária para manter algo é a mesma utilizada em sua criação. De modo que se considero que o ente tem a afecção do possível é porque não conheço a causa das coisas, ou seja, as leis eternas da natureza ou Deus. Deste ponto podemos vislumbrar o conceito de criação na obra de Spinoza que diz que Deus não é transcendente, mas que é imanente à natureza e que na criação Deus e natureza são uma e a mesma coisa. Essas concepções de Spinoza o levaram a excomunhão da sinagoga, pois era da religião Judaica.
Porém se Deus determinou todas as coisas, onde estaria a liberdade do homem? Spinoza responde que nossas ações e vontades são todas determinadas por Deus, mas contraditoriamente afirma que de algum modo a nossa liberdade está resguardada, pois afirma que todos nós vemos clara e distintamente que muitas vezes fazemos escolhas segundo as nossas vontades, mas também que se atentarmos para a natureza divina, vemos, também clara e distintamente, que as coisas são regidas pelas leis eternas de Deus, pois Ele é soberano. É, portanto, incompreensível, diz ele neste texto a compatibilidade da liberdade com a determinação divina dos fatos.

Além desses pontos, Spinoza trabalha a questão dos modos de pensar que, por vezes, são tomados como afecções dos entes como, por exemplo, a unidade que não é uma afecção, mas um Ente de Razão, ou seja, um modo de pensar que serve para distinguir algo da pluralidade de seres; ou a questão do tempo que também não passa de um ente de razão pelo qual medimos a duração de algo por comparação a uma duração constante.

A questão da verdade também salta aos nossos olhos pela maneira como é pensada na filosofia spinoziana, pois pensa que a verdade ou a falsidade é extrínseca a determinação da linguagem, porque a linguagem é convencional, a verdade não está nas palavras, como também não está nas coisas, mas nas idéias, por exemplo, se digo que a minha caneta é de prata sendo, na verdade, de plástico, poderia não estar dizendo algo falso se estivesse em uma comunidade que denominasse o plástico de prata, portanto o que vale é a idéia verdadeira que temos de plástico e de prata, não importando os termos pelos quais os designamos. A verdade ou a falsidade não faz parte da essência das coisas, mas da essência das idéias. Também faz uma crítica às noções antropomórficas que temos da realidade, o que a religião fez com Deus é um exemplo, outro é o que consideramos bom ou mal tendo em vista apenas o homem, esse é um ponto importante da filosofia de Spinoza, e por fim é notória a ausência de uma teleologia em sua filosofia ou de um bem metafísico que ele prontamente refuta, falando em vez disso, de apenas uma tendência que os seres têm de permanecer em seu ser.

Enfim, como disse é uma obra difícil, mas que se estudarmos pacientemente descobriremos riquezas enormes nessa filosofia que veio a inspirar filósofos como Schopenhauer, Nietzsche e Hegel.