terça-feira, 20 de abril de 2010

Liberdade


Advertência: antes que alguém leia este texto, quero pedir ao leitor que não o leve muito a sério. São apenas divagações dianoiafágicas de um aluno de graduação em filosofia.


O tema da liberdade se encontra na contemporaneidade em meio às discussões dos libertaristas, deterministas e compatibilistas. As definições de liberdade dependem inteiramente de nossa noção de causalidade (pelo menos em relação aos libertaristas e deterministas), uma vez que ser livre é não ser causado. No que tange aos compatibilistas, acredito que eles mudam o foco da questão, não falando mais em uma liberdade metafísica, mas voltando ao senso comum de liberdade: ser livre é não ser coagido. De modo que acredito que a questão pode ser resolvida sem que seus termos sejam mudados.
Como a compreensão da liberdade depende de nossa noção de causalidade, se alguém enfraquecesse essa noção, colocando-a em dúvida, a compreensão libertarista estaria em vantagem. E Hume fez isso na modernidade, pois discorrendo a respeito das questões de fato, observou que entre os eventos que normalmente se seguem só o hábito da experiência poderia nos dar um pouco de segurança quanto a sua repetição, mas que nada há no evento A nem no evento B que segue do primeiro, algo que imprima em nós a noção de causalidade. Nem ela é a priori, visto que se imaginarmos um Adão bíblico totalmente inexperiente, este não saberia as propriedades da água, nem que ela o molharia se ele entrasse em um rio, mas só depois da experiência, através do hábito, ele notaria essa conjunção de fatos.
Por conseguinte, se não sabemos se realmente há causalidade na natureza, se não a posso sentir, então ela cai em descrédito no que toca a questão da liberdade, principalmente se nos direcionarmos para uma filosofia que coloca na sensação o seu critério de verdade, assim como é a filosofia Epicurista, que irá reverberar durante a modernidade e influenciará o pensamento do próprio Hume. A ciência toda se baseia na causalidade, na indução etc. Mas não sabemos, de fato, se tais crenças estão concordes com a natureza, não sabemos da existência real das coisas, porém de uma coisa sabemos: estamos seguros de nossas sensações quando sentimos. Por isso diante dos céticos e até mesmo diante de um ceticismo de Demócrito quanto às sensações, Epicuro coloca a evidência sensível como critério de verdade.
Assim, se eu sinto a liberdade quando escolho, e penso que poderia ter escolhido de modo diferente se assim quisesse, eu sou livre. Lucrécio e Diógenes d’Oinoanda, discípulos de Epicuro falam em desvios atômicos aleatórios que faziam que os átomos se chocassem, pelos quais se tornou possível a existência dos corpos agregados de toda a phýsis. Sem tais desvios a natureza não existiria, de modo que a realidade está fundada sobre o acaso.
Porém o acaso não nos torna livres. Como poderíamos ser livres quando tomamos decisões aleatórias? Obviamente o acaso não nos dá liberdade alguma, porém nos dá condição para sermos livres. Pois ele quebra uma cadeia causal estabelecida no pensamento de Demócrito, abrindo a possibilidade para afirmarmos a nossa liberdade.
Para o exercício da liberdade basta que se aja com cálculo, raciocinando de maneira a que tudo convirja para nosso bem. Porém como uma filosofia que tem como critério de verdade a sensação pode nos falar de desvios atômicos? Essa é uma questão inevitável e foi fonte de críticas ao Epicurismo, mas que, embora pareça, não é uma contradição. Pois na canônica epicúrea uma teoria sobre aquilo que não cai no âmbito dos sentidos, para que seja válida, não pode contradizer nossas sensações. Se, de fato, sentimos liberdade e ela não pode ser experimentada em uma realidade fechada em uma cadeia causal então essa realidade tem que ter um componente de aleatoriedade e de acaso, e no epicurismo esse componente é o desvio atômico. Portanto o desvio atômico pode ser conhecido indiretamente e não contradiz as sensações.
Enfim, a liberdade é o fundamento e a justificativa para a autarkéia, para as nossas ações responsáveis. Se não fossemos livres, onde estaria o lugar para a culpa, a responsabilidade e para o elogio?