quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Hegel e Lacan





Não é novidade que a visão de J. Lacan (1901 – 1981) da Fenomenologia do Espírito não é fiel à letra de Hegel (1770 – 1831). Nem mesmo era intenção do psicanalista francês apresentar com limpidez a filosofia hegeliana, antes, Hegel era mais um filósofo à mercê do pensamento desbravador de Lacan. Porém, a influência, acima de todas, de Hegel é evidente nos seus seminários. E tal influência não foi direta, pois, como o próprio Lacan reconhece, A. Kojève (1902 – 1968) o introduziu na filosofia de Hegel (Cf. ROUDINESCO, 2008, p.139). Lacan se tornou ouvinte assíduo dos seminários de Kojève a partir do período de 1934-5 (Cf. Ibidem, p. 144). Uma geração inteira de intelectuais formadas aos pés de Kojève e sob a sombra de Hegel. 

Entretanto, dos intelectuais de seu tempo, Lacan foi o que mais fortemente sentiu a influência Kojèviana. Até mesmo a maneira de comunicar seu conhecimento foi herdada: Seminários, valorização da oralidade. E, inclusive, a ambigüidade de ocupar um lugar na universidade a um só tempo “marginal e perfeitamente integrado” (Ibidem, p. 145). Tantas semelhanças propiciaram a pretensão de escrever juntos, Kojève e Lacan, um estudo em que Hegel e Freud seriam confrontados, mas, no entanto, esse estudo não passou de poucas páginas introdutórias escritas por Kojève. Esse fato expressa a contigüidade entre a psicanálise e a filosofia, sobretudo, a filosofia de Hegel que parece deixar patente as diferenças e semelhanças das duas perspectivas. 

Hegel é presença constante nos seminários de Lacan. A Dialética do senhor e do escravo (Cf. HEGEL, 2008, p. 142-151) é tema central em suas discussões. A linguagem viva de Hegel veio bem a calhar em um momento em que a artificialidade da linguagem acadêmica vigorava. Hegel o “último dos filósofos” (Lacan, 2008, p. 78), aquele que tocou os “limites da antropologia” (Lacan, 1995, p. 96). Para além disso, só a psicanálise de Freud e sua descoberta de que o “homem não está exatamente no homem” (ibidem, 1995, p. 96). Isso significa que Hegel exauriu as possibilidades do antropológico, apenas não sabia, nem poderia sabê-lo, que a explicação do humano vai além dele mesmo, não sabia que o mundo social e a intersubjetividade não poderiam explicar o homem em sua completude. 

Bibliografia

HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. trad. Paulo Meneses com a colaboração de Karl-Heinz Efken e José Nogueira Machado. Petrópolis, RJ: Vozes/ Ed. Universitária São Francisco, 2008.
KONDER, L. Hegel, A Razão Quase Enlouquecida. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1991.
KOJÈVE, A. Introdução à leitura de Hegel. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: CONTRAPONTO EDITORA/Ed. UERJ, 2002.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
––––––. O seminário, Livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
––––––. O seminário, Livro 16: De um Outro ao Outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
______. O seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
MENESES, P. Para ler a Fenomenologia do Espírito, roteiro. São Paulo: EDIÇÕES LOYOLA, 1992.
ROUDINESCO, H. Jacques Lacan, o esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008.