terça-feira, 22 de junho de 2010

Trabalho: O acaso na Física de Aristóteles


INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende esclarecer a compreensão aristotélica de týche e de autómatov, os quais podem ser traduzidos respectivamente por acaso e espontâneo como o faz Lucas Angione, mas também, e prefiro deste modo, por fortuna e acaso. Trata-se da questão do acaso como foi abordada por Aristóteles no livro II da Física. Pisando nos passos do Filósofo, almeja-se repassar os objetivos estabelecidos por ele, visando assim, esclarecer pontos obscuros do texto. Após expor a doutrina das causas, Aristóteles dedica três capítulos ao estudo do acaso, a saber, os capítulos 4, 5 e 6 que examinaremos aqui.


O acaso na Física de Aristóteles

- Objetivos

Aparentemente a explicação de Aristóteles a respeito das quatro causas não dava conta de algo que é observável no cotidiano dos homens: fatos que dizemos acontecer por acaso, tanto na natureza como em nossas vidas. Por isso ele estabelece no capítulo 4 (195b 31) três questionamentos que irão nos guiar na busca pela compreensão do acaso:

a) De que modo se encontram nas quatro causas a fortuna (týche) e o acaso (autómaton)?

b) A fortuna e o acaso são idênticos ou não?

c) O que são a fortuna e o acaso?

Porém antes de examinarmos essas questões devemos acompanhar Aristóteles na investigação a respeito do que pensavam os homens a respeito da fortuna e do acaso.

Opinião de alguns homens

O filósofo percebe que as opiniões acerca do acaso são confusas, uns afirmam a sua existência enquanto outros a negam. As divergências são fruto da dificuldade da investigação em questão. Muitos se apóiam sobre o pensamento dos antigos sábios e dizem:

  • Nada vem a ser a partir do acaso
  • Há uma causa determinada para tudo aquilo que dizemos vir a ser por fortuna ou acaso.
  • Nenhum dos antigos sábios julgou haver algo por acaso.

Aristóteles é movido pelo espanto (thaumastón) (196a 11) gerado pelo descaso dos pré-socráticos no que diz respeito ao assunto, pois, uma vez que muitos afirmam que coisas acontecem cotidianamente por acaso, eles deveriam ter se posicionado sobre a existência ou não desses fatos. Outros se utilizaram dele, mas não o teorizaram, tal como Empédocles (196a 22).

Ainda há aqueles que negam o acaso na natureza, mas consideram que a geração dos céus e dos mundos foi um acontecimento fortuito. Porém Aristóteles os critica argumentando que nada se vê acontecendo casualmente nos céus, mas no mundo sublunar, de fato, vemos coisas acontecendo a partir do acaso.

Enfim, há outros, como Aristóteles, para os quais o acaso é uma causa (196b 5).

Feita a revisão do que alguns pensam sobre o tema, começaremos a tentar responder junto com Aristóteles as questões postas por ele.

O que são a fortuna e o acaso?[1]

Aristóteles afirma que existem (I) coisas que acontecem sempre, (II) coisas que acontecem na maioria das vezes e (III) coisas que acontecem excepcionalmente. Aquilo que acontece a partir do acaso e da fortuna é algo que acontece apenas excepcionalmente. (196b 10-13)

Entretanto, o que ocorre apenas excepcionalmente também acontece em meio das coisas que são em vista de algo e, portanto, podemos afirmar que o que acontece a partir do acaso surge na ordem das coisas que têm causa final. Mas o que o diferencia terminantemente das coisas que acontecem necessariamente é que o acaso é acidental: “As coisas que vêm a ser segundo acidente (symbebekós) dizemos que elas são a partir do acaso” (196b 23).

Mas o que Aristóteles quer dizer com acidente? O acidente é, em oposição à essência, qualquer atributo que sua alteração não implica a alteração do ser. E isso pode ser aplicado às causas. Pois a casa tem por causa essencial a arte de se edificar casas e, por outro lado, tem por causas acidentais a sua cor branca ou músico que mora nela, ou seja, a casa não veio a ser porque é branca ou porque um músico mora nela, mas por causa da arte de se edificar casas. (196b 26)

Entretanto, quando algo acontece por acaso é o mesmo que dizer que acontece por acidente. Digamos que eu tenha me perdido em uma ilha e estou com sede, com fome e sem moradia, assim, subo em um coqueiro visando obter a água do coco que saciaria a minha sede, porém as palhas do coqueiro se quebram formando um teto sobre grandes pedras abaixo de mim, de modo que percebo que a minha intenção de beber água resultou na construção de minha moradia em que passarei a noite. Por conseguinte, a causa da existência de minha moradia não foi a arte de edificar casas, mas a minha sede. Portanto, podemos afirmar que casos semelhantes a esse são a partir do acaso, pois são acidentais. Evidentemente que essa ilustração é um tanto exagerada, mas serve de ensejo para citar uma passagem da Física que diz: “Entre as causas por acidente, há umas que são mais próximas que outras” (197a 21). Assim, a sede como causa acidental para a construção de um abrigo está mais distante que, por exemplo, um filósofo ser causa acidental da construção de uma casa.

De que modo se encontram nas causas a fortuna e o acaso?

Já sabemos que a fortuna e o acaso se referem ao que é excepcional e que são causas acidentais. Mas qual a relação dessas causas acidentais com as quatro causas estabelecidas por Aristóteles? As causas acidentais ocorrem no domínio do que acontece em vista de algo (196b), mas elas mesmas não são em vista de algo (não tem causa final).

O excepcional surge entre o que se dá necessariamente e altera sua finalidade, então, manifesta-se o acaso como causa acidental, pois a causa motriz que normalmente resultava em determinado fim resulta em outro. E os acidentes que podem ocorrer são ilimitados, de modo que a sede, no exemplo acima, foi causa da construção do meu abrigo. O acaso se dá, portanto, na interposição da causa acidental entre a causa motriz e a causa final. Pois a fortuna e o acaso “estão no de onde o começo do movimento” (198a 1). Cabe dizer que “o acaso é algo a parte da explicação” (197a 18) porque deriva dos acidentes ilimitados, ou seja, não se pode fazer ciência das coisas que se dão por acaso.

Pode-se observar que na maioria das vezes que citamos o acaso também citamos a fortuna e essa relação de semelhança gera uma dúvida que Aristóteles procura dirimir: existe diferença entre eles?

A fortuna e o acaso são idênticos?

Aristóteles afirma: “O acaso (autómaton) é mais amplo que a fortuna (týche).” E ainda: “Tudo que é a partir da fortuna é a partir do acaso, mas nem todo acaso é a partir da fortuna” (197a 36).

Torna-se óbvio que tudo o que é fortuna (týche) é acaso (autómaton), mas nem tudo o que é acaso é fortuna, pois o acaso é mais amplo. E como afirma Mansion: “A fortuna (týche) em sentido estrito não é mais que uma espécie do acaso” (MANSION, p. 292)

A grande diferença entre o que acontece a partir da fortuna e a partir do acaso está no campo de atuação de cada um, pois a fortuna é da ordem das ações dos seres animados que possuem a capacidade de escolher, enquanto que o acaso se dá entre os animais que não escolhem e entre os seres inanimados.

Assim, o týche é o autómaton ocorrendo internamente naquilo que depende da escolha, por exemplo, quando alguém vai à praça[2], tendo em vista espairecer, mas chegando lá encontra um devedor e cobra a sua dívida. Qual será o resultado dessa ação? Sabemos que a causa final que era espairecer foi alterada pela finalidade de cobrar devido à casualidade do seu devedor aparecer na praça. Entretanto, o ato de cobrar em vista de receber o dinheiro depende da escolha do devedor de pagar e da escolha do cobrador em cobrar. Digamos que a dívida foi paga e façamos a retrospectiva da ação:

A – Saiu de casa para espairecer. A’ – Saiu de casa, não para espairecer, mas para cobrar.

B – O homem cobra o devedor e este decide lhe pagar.

Dá-se o týche, pois a ação de espairecer resulta no recebimento de uma dívida. Esse fato se caracteriza como týche por ser a partir do autômaton no âmbito dos escolhíveis.

Por sua vez o autômaton ou acaso é algo “cuja causa é externa e vem a ser não em vista daquilo que resulta” (197b 13). Ou simplesmente algo que não realiza sua causa final pela interposição de uma causa acidental. Para Aristóteles, que supunha uma geração espontânea na natureza, dizia que esta era fruto do autômaton, pois era um fato excepcional que não dependia de escolha, mas que ocorria na phýsis para além da necessidade. Outro exemplo são as crianças que nasciam com anomalias, pois a única resposta para esse fato que Aristóteles poderia dar é que são fatos excepcionais e, portanto, casuais.

CONCLUSÃO

Podemos definir o acaso, pelo que vimos, como “uma causa por acidente, cujos efeitos são os fatos excepcionais, pertencem a ordem daqueles que se produzem em vista de um fim, mas que eles mesmos não são produzidos em vista de um fim realizado” (MANSION, p. 305) Essa definição serve para o acaso e para a fortuna exceto pela diferença de atuação, visto que a fortuna “é limitada ao domínio da atividade prática do homem” (MANSION, p. 293) e o acaso pode agir em toda phýsis. Aristóteles encontra lugar para o acaso na sua teoria, mas nega que possa haver uma ciência de fatos acidentais e, portanto, a partir do acaso (197a 18).

BIBLIOGRAFIA

ARISTÓTELES. Física I-II, trad. de Lucas Angioni. Campinas: IFCH, 2002.

Lucas ANGIONI. Física (livros I-II), Textos Didáticos nº. 34, Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas, Unicamp, 1999.

MANSION, Augustin. Introduction a la Physique Aristotélicienne. Éditions de l’institut supérieur de philosophie de l’université de Louvain. P

[1] Como se vê, preferi traduzir týche por fortuna e autômaton por acaso, pois acredito que traduzir por acaso e espontâneo pode causar confusão em alguns momentos.

[2] Utilizo aqui um exemplo de Aristóteles (196b), mas incluo alguns elementos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O acaso na física de Aristóteles


Este pequeno texto é uma prévia do trabalho que farei, provavelmente este final de semana, a respeito do acaso na Física aristotélica.

Aristóteles dedica os capítulos de 4 à 6 da Física ao tema do acaso e visa responder às questões?

a) O que é o acaso e o espontâneo?

b) Como o acaso e o espontâneo interagem com as quatro causas?

c) Qual a diferença entre acaso e espontâneo?

O acaso e o espontâneo são para Aristóteles causas que se interpõem entre a causa eficiente e a causa final que se esperava obter anteriormente, ou seja, quando agimos, por exemplo, de modo a esperar dado resultado e este não ocorre. O acaso é uma causa, mas indeterminada até que aconteça, pois é acidental. São fatos que não ocorrem sempre, nem no mais das vezes, mas excepcionalmente.

A diferença entre o acaso (týche) e o espontâneo (autômaton) se manifesta no seu campo de atuação e na amplitude desta. O espontâneo é mais amplo e abarca tudo o que acontece por acaso. O acaso se dá nas ações dos seres animados e o espontâneo acontece no âmbito dos seres inanimados.

Nos capítulos já citados Aristóteles critica os pré-socráticos por não terem incluídos em suas teorias a ação do acaso, quando muito, especularam que o espontâneo ocorre na gênese do mundo, mas não nas ocorrências da phýsis que vemos diariamente. Tamanho absurdo espantará Aristóteles.

Enfim, só estou esquentando a pena para o trabalho do final de semana.



domingo, 13 de junho de 2010

Resumo do capítulo 15 do livro "Os problemas da filosofia" de Bertrand Russell


Russell conclui o livro “Os problemas da Filosofia” com um capítulo que se ocupa de refletir sobre o valor da filosofia e por que ela deve ser estudada. Isso se faz necessário visto que muitos consideram a filosofia inútil se comparada com as ciências que influem diretamente na vida de todos os homens através de novas tecnologias e etc.

Esta visão é resultado de uma ignorância da parte destes homens acerca dos fins e dos bens que a filosofia almeja. Os que comungam da opinião acima são os homens ditos práticos, os quais reconhecem apenas necessidades materiais e negligenciam as espirituais. Porém, Russell afirma que se todas as mazelas da sociedade fossem erradicadas e todas as necessidades materiais supridas “haveria ainda muito a fazer para produzir uma sociedade verdadeiramente válida”. Por isso a filosofia tem seu valor.

O valor da filosofia deve ser buscado entre os bens do espírito, pois ela visa o conhecimento. Um conhecimento que organize sistematicamente o saber científico e examine criticamente as nossas crenças fundamentais.

Entretanto a filosofia não alcançou os resultados positivos que vemos que foram alcançados pelas outras ciências. Mas isso não significa que a filosofia é um saber inútil, pois, o que de fato acontece, é que assim que a filosofia torna possível um saber específico ele deixa de ser filosofia e passa a ser, por exemplo, física, psicologia, lingüística etc.

Embora as questões investigadas pela filosofia sejam aparentemente insolúveis, esse exercício faz com que se perdure o interesse especulativo em torno do universo. A filosofia diminui o nosso sentimento de certeza sobre as coisas, mas aumenta nosso conhecimento do que elas poderiam ser, libertando-nos da obviedade do senso comum.

Aquele que se debruça sobre a filosofia tem seu mundo privado alargado, pois o Todo passa a ser visto com imparcialidade, nossos problemas se apresentam como uma parcela ínfima do Todo infinito.

Por fim, a filosofia deve ser estudada porque amplia as nossas concepções acerca do possível, enriquece a nossa imaginação intelectual e diminui a arrogância dogmática que impede a especulação mental.