sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O pàr hemàs adespotós na physiología de Epicuro

A natureza na filosofia de Epicuro tem três modos de ocorrência, a saber: coisas que acontecem por necessidade, por acaso e por nós. O que me chama a atenção é o terceiro modo de ocorrência da phýsis, pois observo que este não é normalmente considerado entre as realizações da natureza. Epicuro afirma, de modo intrigante, que a phýsis se realiza também através de um modo de ocorrência, que é de tal modo novo na physiología, que não tem um nome que remeta a outros pensadores e filosofias assim como týche e anánke, e por isso, o filósofo do jardim se utiliza da seguinte expressão: pàr hemàs adespotós (o que é por nós é sem mestre). Esse modo de realização da natureza é aquele que acontece através da livre ação do homem.

Se considerarmos as implicações desta idéia, veremos que, por exemplo, não podemos nos tomar por separados da natureza, interferindo de fora, mas que todas as nossas ações livres que pensávamos nos afastar dela, são apenas uma das maneiras que a phýsis se realiza. Ademais tudo que ocorre só ocorre por necessidade, por acaso e por nós, ou seja, tudo que acontece realiza a phýsis.

Essa ideia nos parece estranha porque sempre pensamos a natureza como algo a ser estudado, modificado ou destruído pelo homem. A natureza nunca foi tão vista e pensada como objeto quanto nos tempos atuais. E a maneira como se investiga a natureza, baseada na lei da causalidade e indução, nos faz pensar nela como uma grande cadeia de eventos necessários, mas o que Epicuro quer chamar a atenção é que ela tem um modo de ocorrência especial, que vai além da necessidade e do acaso, que depende de nós. Nós não realizamos a physis apenas quando desempenhamos as nossas funções bioquímicas, mas também quando cometemos atos de liberdade. A liberdade é um fenômeno físico.