segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O problema da simultaneidade dos prazeres e dores no Filebo de Platão



Só existe prazer ou dor se há também um ser que o sinta? Acredito que Platão responderia que não. Pois, embora o prazer e a dor necessitem da sensação para serem percebidos no nível da dóxa, no nível inteligível não há necessidade de sentir dor ou prazer para dar-lhes existência. A idéia de prazer é eterna e prescinde da sensação de prazer, o mesmo ocorrendo com a idéia de dor.

De fato não podemos sentir dor e prazer simultaneamente, visto que, embora aja no corpo muitos canais de receptividade das afecções, só há uma alma que transforma essas afecções em prazeres ou dores. Portanto já sabemos que não se pode sentir dor e prazer ao mesmo tempo e certamente Platão também o sabia, mas então o que ele quer dizer quando Sócrates afirma que existem misturas de partes iguais e desiguais de dores e prazeres? (46d) Entendo que Platão tinha em mente que no momento em que existem afecções, fontes de prazeres e dores, atuando juntamente no corpo, a afecção que prevalecesse “na balança” seria transformada pela alma, seja ela dor ou prazer. Porém isso não impede de maneira alguma que a afecção suplantada permaneça atuando no corpo sem ser sentida como prazer ou dor. E desde que aja a atuação da fonte geradora de dor ou prazer, embora não a sintamos, compreendemos inteligivelmente que há dor ou prazer em nosso corpo. Pois, nós todos sabemos, que a natureza é regida pela lei da causa e do efeito e quem dissesse que existe a atuação de uma causa sem um efeito, ou seja, se dissesse que o calor do sol não esquenta uma pedra exposta ao sol do meio-dia ou que se um ovo cair da minha mão em direção ao chão sem nenhuma interferência direta ele não quebrará, nós todos diríamos que essa pessoa não diz algo razoável. Do mesmo modo, uma afecção que gera especificamente uma dor, ainda que não seja captada por nossos sentidos, que por sinal são falhos, traz como conseqüência natural, senão a sensação de dor, a idéia inelutável de dor.

Por conseguinte, se há duas afecções, uma de dor e outra de prazer, e o prazer é mais forte, ele é transformado em sentimento pela alma e o homem que o sente não dá conta, pela percepção dos sentidos, que há dor, mas esse mesmo homem pode, através do intelecto, inferir a existência da idéia de dor (não o sentimento de dor) em seu corpo. Imaginemos um mendigo com hanseníase que tem seus cotovelos roídos por ratos durante o seu sono, a doença irá impedi-lo de sentir a dor, que nada mais é que um mecanismo de defesa do corpo, mas se ao despertar ele ver que existem ratos o roendo, certamente ele irá espantá-los, pois embora não sinta a dor, ele tem a idéia de dor.

Mas alguém dirá com razão: e quando há afecções de prazeres e dores na mesma medida, qual delas será sentida? Suponho que nesse caso nem uma, nem outra, visto que elas se anulariam por serem forças eqüipolentes e só as compreenderíamos no nível das idéias, e então, poderíamos falar de um terceiro estado da alma que é totalmente diverso de prazer e de dor.

Portanto não é estranho a Platão pensar que existem prazeres misturados a dores simultaneamente, mas somente enquanto idéia e não no tocante a sensibilidade. Pois só somos capazes, no nível da dóxa e da sensibilidade corruptível, de sentirmos o prazer ou a dor decorrente de uma afecção, restando para a outra a apreensão via inteligível.

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