domingo, 15 de maio de 2011

1ª Seção da FMC


Os exemplos citados por Kant na primeira seção (exemplo do merceeiro, da conservação da vida, do ser caritativo etc.) cumprem o propósito de explicitar a ideia kantiana acerca do que configura a ação moral. No início da referida seção Kant se utiliza do conceito comum de “Boa vontade” para demonstrar que a Ética dos filósofos antigos e, sobretudo, a ética teleológica de Aristóteles, falhavam na medida em que reconheciam na virtude e na felicidade como o bem maior a motivação para a ação moral. Pois para Kant só à boa vontade pode ser dado o status de “boa em si mesma”.

Porém, diferentemente dos antigos, Kant coloca na razão o móbil da boa vontade, uma vez que argumenta que a função da razão prática, na medida em que é um órgão como todos os outros, é produzir uma boa vontade. Ao contrário do que se poderia pensar, a razão não tem a função de nos assegurar a felicidade, porém esta é claramente uma competência dos sentidos. Ademais, segundo Kant, a razão quando encarregada dessa função produz mais facilmente infelicidade do que felicidade. Entretanto, a “boa vontade é condição indispensável para o próprio fato de sermos dignos da felicidade”.

Kant passa, então, do conceito do senso comum de boa vontade para o conceito mais aprofundado de “Dever”, o qual contém em si o conceito de boa vontade. E pensa nas possibilidades de se caracterizar uma ação, das quais apenas uma é verdadeiramente uma ação moral: a ação por dever. De modo que Kant nos apresenta as ações:

· Contrárias ao dever: dessas Kant não irá se ocupar na FMC dado à sua facilidade de ser reconhecida, pois uma ação contrária ao dever é uma ação imoral.

· Conformes ao dever: as ações conformes ao dever são aquelas que parecem ações morais, feitas por dever, mas que no fundo foram feitas por inclinação imediata ou por qualquer outra tendência.

· Por dever: São àquelas ações que, como Kant depois dirá, são feitas por puro respeito à lei moral, ou seja, ações que têm como motor não as suas conseqüências, mas o princípio da lei moral.

É para esclarecer essa relação entre a ação moral e seus motivadores que Kant se serve de seus exemplos. Diferentemente do que normalmente se pensa, Kant quer mostrar que uma ação não pode ser moral se ela se fundamentar sobre fatos contingentes como nossas experiências sensíveis. Assim a moral kantiana exclui todo o âmbito sensível no propósito de fundamentar um princípio seguro. Pois o motivador de uma ação moral não pode ser seu objeto, mas o princípio do dever.

Tendo em vista o exposto acima, Kant se vale, a título de ilustração, do exemplo da conservação da vida, pois esta, embora seja um dever, não é, de fato, seguida por dever, mas pelo fato de todos os homens, no mais das vezes, terem instintivamente uma inclinação para se manterem vivos. Segue-se que essa ação é conforme ao dever e não por dever, ou seja, conservar a vida na maioria das vezes é agir conforme ao dever por inclinação. Entretanto, a máxima de um homem tem, claramente e verdadeiramente, conteúdo moral no que tange a conservação da vida quando ele já não tem mais inclinação imediata para a vida, ou seja, quando ele já não deseja mais viver, mas, contudo, permanece vivendo por dever.

Mas, por que o autor da Fundamentação da Metafísica dos Costumes insiste em não depositar o princípio da ação moral no âmbito sensível? Reflitamos no exemplo acima. Se a ação moral de conservar minha vida dependesse do amor que tenho a ela ou do desejo profundo que tenho em continuar vivendo; e ainda, se a conservação da vida dependesse da felicidade que sinto ou dos eventos contingentes que perfazem o ato de viver, então no momento em que não me sentisse feliz e eventos desagradáveis acontecessem ao ponto de me tirarem o gosto de viver, nesse momento tiraria minha própria vida. As conseqüências de fundamentar uma moral sobre a esfera da sensibilidade só evidencia a instabilidade dessa moral.

A ação moral deve ter subjetivamente, por um lado, por princípio o respeito à lei moral e, por outro, a própria lei objetiva que se manifesta através do imperativo categórico, a saber: “devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universa”l. Agindo por respeito à lei moral agiremos por dever e seremos talvez felizes, mas se não formos, seremos pelo menos os que deveriam ser.

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