terça-feira, 31 de julho de 2012

Linhas gerais sobre o conceito de "imaginário" em Castoriadis

 Neste trabalho abordaremos o conceito de imaginário no pensamento de Cornelius Castoriadis. Para tanto, nos valeremos sucintamente de algumas considerações acerca de pontos que servem à explicitação do conceito de imaginário em Castoriadis. São eles: a definição de imaginário; a relação do imaginário com a sociedade; a relação sujeito-objeto; e por fim, sobre o social-histórico.

1.      O imaginário
Castoriadis deixa claro no prefácio à Instituição imaginária da sociedade que a noção de imaginário trabalhada por ele tem um sentido bastante peculiar. Não se trata do oposto do que é real, não é reflexo, derivação de algo, mas é criação ex nihilo e o próprio fundamento daquilo que, por meio do imaginário, chamamos de realidade.

O imaginário de que falo não é imagem de. É criação incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de “alguma coisa”. Aquilo que denominamos ‘realidade’ e ‘racionalidade’ são seus produtos. (CASTORIADIS, 1982, p.13)

O imaginário é criação a partir do nada. Mas criação de quê? O imaginário cria o mundo, pois está na base de todo pensamento e possibilidade de sentido. O real, o ser, a racionalidade, não são mais que produtos do imaginário.  Enquanto criação, o ser não se fecha em uma única determinação possível, pelo contrário, está sempre aberto, é sempre “por-ser” (CASTORIADIS, 1987, p. 233).
Percebemos que a ontologia tradicional é abandonada e uma nova é posta em seu lugar. Enquanto a primeira nega o tempo, uma vez que quer o determinado, eterno, imutável, regular, repetitivo, circular, e assim, torna impossível as diferenças sócio-históricas, a segunda quer a mudança e a abertura para a emergência do novo, pois ser é tempo, ser é por-ser. Enfim, o ser está em construção.  Aquilo que escapa a criação imaginária social é o que Castoriadis chama de “primeiro estrato natural” ou “mundo físico” e, como tal, é desprovido de significado. Podemos diferenciar duas dimensões em que a sociedade opera: a dimensão conjuntista-identitária e a dimensão do imaginário. A primeira se caracteriza pela determinação, pela submissão do mundo a classes e domínios definidos, nela “a existência é determinidade” (CASTORIADIS, 1987, p.243). Por outro lado, na dimensão imaginária a existência é significação. As significações são conectadas umas as outras por uma lógica denominada “magmática”. A sociedade e suas instituições não podem ser reduzidas a uma explicação biológica, pois ela é regida por outra lógica e por outra ontologia. 

2.      Imaginário e sociedade
O que torna uma sociedade coesa são suas instituições e estas possuem um tecido que as une como um todo: “o magma das instituições imaginárias sociais”. Castoriadis define estas instituições como magma porque elas são realidades fluidas, inconscientes que não podem ser apreendidas pela lógica conjuntista-identitária. E, ainda, estas instituições são imaginárias e sociais, porque são criação e porque são “instituídas e compartilhadas por um coletivo social e anônimo.” (CASTORIADIS, 1987, p. 239)

“Tais significações imaginárias sociais são, por exemplo: espíritos, deuses, Deus; polis, cidadão, nação, Estado, partido; mercadoria, dinheiro, capital, taxas de juros; tabu, virtude, pecado, etc. Mas também: homem, mulher, criança, tais como são especificados em uma sociedade dada” (CASTORIADIS, 1987, p. 239)

É a instituição imaginária da sociedade que estabelece seu próprio mundo de significações, determinando o que é importante e o que não é, diferenciando o verdadeiro do falso, o que tem sentido do que não tem. “Toda sociedade é uma construção, uma constituição, uma criação de um mundo, de seu próprio mundo” (CASTORIADIS, 1987, p. 241).
           
3.      Sujeito-Objeto
A temática da criação do mundo enseja a referência à nova forma de Castoriadis compreender a relação sujeito-objeto. A filosofia herdada reforçou essa distinção entre sujeito e objeto, ora valorizando um, ora o outro, de modo que Castoriadis a caracteriza como: “distinção rançosa e banal” (CASTORIADIS, 1990, p.262). Nosso autor defende que há seres como sujeitos e seres como objetos, mas um não subsume o outro nessa relação. Não podemos nos entregar a um “delírio solipsista” (ibid.), afirmando que tudo que há é fruto de nossa consciência transcendental, nem tampouco que o objeto possua significados em si mesmo. A relação sujeito-objeto para Castoriadis necessariamente apresenta um terceiro fator: o mundo enquanto tal deve ser passível de organização. Ou seja, o mundo se permite moldar.

Ainda que eu pense que a organização que eu, enquanto sujeito pensante, imponho ao que é, ou ainda a organização que os seres vivos em geral ao mesmo tempo que exibem neles mesmos e impõem ao seu mundo, em todo caso, nem um nem outro poderiam existir se o mundo, como tal, em si, não fosse organizável. (CASTORIADIS, 1990, p. 263)

Mas neste caso, esse mundo enquanto tal, embora necessário, configura apenas um primeiro estrato natural que permite ao ser se estender infinitamente através de sua criação social-histórica.

4.      O social-histórico
            O social-histórico foi ignorado pela filosofia como modo de ser. Ele vai de encontro a todo desenvolvimento da ontologia tradicional. O ser é, para Castoriadis, o contrário de toda determinidade, pois é Caos, é sem-fundo (CASTORIADIS, 1987, p.233) e, sobretudo, ser é tempo. A sociedade cria, faz emergir o novo, institui e é instituída no tempo, mas também cria o tempo, pois este é mais uma de suas instituições imaginárias sociais.  “A história é gênese ontológica”, pois o por-vir-a-ser se faz na história segundo as auto-alterações da sociedade. Esta muda constantemente de aspecto, forma (eidos) e tal forma é imposta violentamente aos núcleos das psiques individuais. Os indivíduos são resultados da fabricação do imaginário social.

CONCLUSÃO
O conceito de imaginário é central no pensamento de Castoriadis e se presta a uma crítica do pensamento herdado. Não se busca determinações no ser, pelo contrário, o ser se faz, se constrói constantemente através do imaginário social-histórico. A elucidação de como a sociedade se institui torna os homens e as sociedades mais conscientes, capazes de fazer o que pensam e pensar no que fazem. Tudo é da ordem do imaginário.   

BIBLIOGRAFIA
CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária da Sociedade. Trad. Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
_______________. As Encruzilhadas do Labirinto/2. Os Domínios do Homem. Tradução por José Oscar de Almeida Marques.  Rio, Paz e Terra, [1986].1987.
_______________. O Mundo Fragmentado. As Encruzilhadas do Labirinto/3. Tradução por Rosa Maria Boaventura.  Rio, Paz e Terra, [1990].1992

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