1. O
imaginário
Castoriadis deixa claro no prefácio à Instituição imaginária da sociedade que
a noção de imaginário trabalhada por ele tem um sentido bastante peculiar. Não
se trata do oposto do que é real, não é reflexo, derivação de algo, mas é
criação ex nihilo e o próprio
fundamento daquilo que, por meio do imaginário, chamamos de realidade.
O imaginário de que
falo não é imagem de. É criação incessante e essencialmente indeterminada
(social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais
somente é possível falar-se de “alguma coisa”. Aquilo que denominamos
‘realidade’ e ‘racionalidade’ são seus produtos. (CASTORIADIS, 1982, p.13)
O
imaginário é criação a partir do nada. Mas criação de quê? O imaginário cria o
mundo, pois está na base de todo pensamento e possibilidade de sentido. O real,
o ser, a racionalidade, não são mais que produtos do imaginário. Enquanto criação, o ser não se fecha em uma
única determinação possível, pelo contrário, está sempre aberto, é sempre “por-ser” (CASTORIADIS, 1987, p. 233).
Percebemos que a ontologia tradicional é
abandonada e uma nova é posta em seu lugar. Enquanto a primeira nega o tempo,
uma vez que quer o determinado, eterno, imutável, regular, repetitivo,
circular, e assim, torna impossível as diferenças sócio-históricas, a segunda
quer a mudança e a abertura para a emergência do novo, pois ser é tempo, ser é por-ser. Enfim, o ser está em
construção. Aquilo que escapa a criação
imaginária social é o que Castoriadis chama de “primeiro estrato natural” ou
“mundo físico” e, como tal, é desprovido de significado. Podemos diferenciar
duas dimensões em que a sociedade opera: a dimensão conjuntista-identitária e a dimensão do imaginário. A primeira se
caracteriza pela determinação, pela submissão do mundo a classes e domínios
definidos, nela “a existência é determinidade” (CASTORIADIS, 1987, p.243). Por
outro lado, na dimensão imaginária a existência é significação. As
significações são conectadas umas as outras por uma lógica denominada
“magmática”. A sociedade e suas instituições não podem ser reduzidas a uma
explicação biológica, pois ela é regida por outra lógica e por outra
ontologia.
2. Imaginário
e sociedade
O que torna uma sociedade coesa são suas
instituições e estas possuem um tecido que as une como um todo: “o magma das
instituições imaginárias sociais”. Castoriadis define estas instituições como
magma porque elas são realidades fluidas, inconscientes que não podem ser
apreendidas pela lógica conjuntista-identitária.
E, ainda, estas instituições são imaginárias e sociais, porque são criação e
porque são “instituídas e compartilhadas por um coletivo social e anônimo.” (CASTORIADIS,
1987, p. 239)
“Tais significações imaginárias
sociais são, por exemplo: espíritos, deuses, Deus; polis, cidadão, nação, Estado, partido; mercadoria, dinheiro,
capital, taxas de juros; tabu, virtude, pecado, etc. Mas também: homem, mulher,
criança, tais como são especificados em uma sociedade dada” (CASTORIADIS, 1987,
p. 239)
É
a instituição imaginária da sociedade que estabelece seu próprio mundo de
significações, determinando o que é importante e o que não é, diferenciando o
verdadeiro do falso, o que tem sentido do que não tem. “Toda sociedade é uma
construção, uma constituição, uma criação de um mundo, de seu próprio mundo” (CASTORIADIS,
1987, p. 241).
3. Sujeito-Objeto
A temática da criação do mundo enseja a
referência à nova forma de Castoriadis compreender a relação sujeito-objeto. A
filosofia herdada reforçou essa distinção entre sujeito e objeto, ora
valorizando um, ora o outro, de modo que Castoriadis a caracteriza como:
“distinção rançosa e banal” (CASTORIADIS, 1990, p.262). Nosso autor defende que
há seres como sujeitos e seres como objetos, mas um não subsume o outro nessa
relação. Não podemos nos entregar a um “delírio solipsista” (ibid.), afirmando que
tudo que há é fruto de nossa consciência transcendental, nem tampouco que o
objeto possua significados em si mesmo. A relação sujeito-objeto para
Castoriadis necessariamente apresenta um terceiro fator: o mundo enquanto tal
deve ser passível de organização. Ou seja, o mundo se permite moldar.
Ainda que eu pense que a
organização que eu, enquanto sujeito pensante, imponho ao que é, ou ainda a
organização que os seres vivos em geral ao mesmo tempo que exibem neles mesmos
e impõem ao seu mundo, em todo caso, nem um nem outro poderiam existir se o
mundo, como tal, em si, não fosse organizável.
(CASTORIADIS, 1990, p. 263)
Mas
neste caso, esse mundo enquanto tal, embora necessário, configura apenas um
primeiro estrato natural que permite ao ser se estender infinitamente através
de sua criação social-histórica.
4. O
social-histórico
O social-histórico foi ignorado pela
filosofia como modo de ser. Ele vai de encontro a todo desenvolvimento da
ontologia tradicional. O ser é, para Castoriadis, o contrário de toda determinidade,
pois é Caos, é sem-fundo (CASTORIADIS,
1987, p.233) e, sobretudo, ser é tempo. A sociedade cria, faz emergir o novo,
institui e é instituída no tempo, mas também cria o tempo, pois este é mais uma
de suas instituições imaginárias sociais.
“A história é gênese ontológica”, pois o por-vir-a-ser se faz na história segundo as auto-alterações da
sociedade. Esta muda constantemente de aspecto, forma (eidos) e tal forma é
imposta violentamente aos núcleos das psiques individuais. Os indivíduos são
resultados da fabricação do imaginário social.
CONCLUSÃO
O conceito de imaginário é central no
pensamento de Castoriadis e se presta a uma crítica do pensamento herdado. Não
se busca determinações no ser, pelo contrário, o ser se faz, se constrói
constantemente através do imaginário social-histórico. A elucidação de como a
sociedade se institui torna os homens e as sociedades mais conscientes, capazes
de fazer o que pensam e pensar no que fazem. Tudo é da ordem do
imaginário.
BIBLIOGRAFIA
CASTORIADIS,
C. A
Instituição Imaginária da Sociedade. Trad. Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
_______________.
As Encruzilhadas do Labirinto/2. Os
Domínios do Homem. Tradução por José Oscar de Almeida Marques. Rio, Paz e Terra, [1986].1987.
_______________.
O Mundo Fragmentado. As Encruzilhadas do Labirinto/3. Tradução por Rosa Maria Boaventura. Rio, Paz e Terra, [1990].1992
Nenhum comentário:
Postar um comentário