segunda-feira, 18 de maio de 2009

A arte em Platão


INTRODUÇÃO

O presente trabalho é fruto das aulas expositivas do professor Ramos Coelho na disciplina de Estética filosófica, tendo como fonte primordial uma de suas aulas de mesmo tema.
A arte em Platão ou a crítica que este faz àquela é um tema que vem sendo abordado desde longa data, tema este que suscitou críticas ferrenhas dos opositores do pensamento de Platão. Será uma contradição de Platão o fato de criticar, ao ponto de querer banir de sua cidade ideal os poetas (livros II, III, X da República), quando ele mesmo foi educado na leitura de Homero? E ele, Platão, não seria ao mesmo tempo crítico e alvo dessas mesmas críticas, tendo em vista que ele no passado fora um dramaturgo e então um filósofo poeta?
Tentarei abordar esses tópicos de maneira despretensiosa, buscando apenas me inteirar desse tema de grande importância para a compreensão deste, que é um dos maiores filósofos ou quem sabe o maior deles, a quem já atribuíram o título de divino e fonte de toda a filosofia ocidental, da qual as outras filosofias e sistemas são apenas notas de rodapé, Platão.





QUAL O LUGAR DA POESIA NA CIDADE IDEAL?

Dentre os diálogos platônicos aquele que aborda mais detidamente o tema das artes (poiésis) é A Politéia ou A República, embora não seja esse o seu assunto principal, e sim a justiça. De modo que suas personagens guiadas por Sócrates decidem ampliar a sua visão, deixando de procurar a justiça nos indivíduos para investigá-la em uma cidade idealizada por eles. Examinando cada aspecto da cidade eles se deparam em dado momento com a educação de seus cidadãos e em particular dos guardiões da cidade. Como se deveriam educar aqueles que defenderiam a cidade de seus inimigos? A educação tradicional daria conta da feitura do bom cidadão?
Nos livros II, III, X d’A República, Platão indica que os poetas tradicionais gregos, inclusive Homero, apesar do reconhecimento de sua genialidade por Platão, deveriam ser censurados em determinados aspectos, os quais seriam nocivos no que tangem a formação moral dos cidadãos da pólis.
Os mitos de cosmogonias e teogonias, produzidos pelos poetas, com suas narrativas plenas de conflitos entre deuses, muitas vezes causados pela volúpia, inveja e mentira das próprias divindades, infanticídios, parricídios, adultérios, enganos, dissimulações, praticados pelos deuses poderiam vir a dar credibilidade a tais ações imorais e ilegais. Ainda que se diga, em defesa dos mitos, que eles narram alegoricamente, devemos ter em vista que uma criança não tem ainda a sua racionalidade plenamente desenvolvida, de modo que ao ouvir essas histórias da boca de seus pais, poderiam vir a praticar, segundo o exemplo gravado em sua memória, dado a susceptibilidade das crianças, as mesmas atitudes execráveis em situações semelhantes. E ademais esses mitos são mentirosos, tendo em vista que não se deve atribuir aos deuses, que são de todo bons e perfeitos, atitudes como as descritas acima, e a mentira não deve fazer parte da educação das crianças.
Esse argumento de Platão se assemelha bastante a uma das opiniões da discussão vigente na atualidade a respeito dos jogos eletrônicos que incentivariam a violência ao apresentarem personagens que roubam carros, matam velhinhas e outros jogos em que o objetivo primordial é mutilar o adversário sem nenhum motivo aparente. Mas existem outros videogames que são educativos e até ajudam na formação das crianças, trabalhando a coordenação motora e a rapidez de raciocínio. E essa exceção que existe nessa discussão atual também existia no tempo de Platão quanto às artes. Mas antes de apresentar a exceção, ainda examinarei outros pontos da crítica platônica das artes.
Mais especificamente quanto aos guardiões da cidade ele adverte que não se deve estimular o temor exagerado da morte através de mitos e histórias contadas a respeito do hades ou do inferno, em que eles aparecem como lugares de tormento e punição, tendo em vista que o guardião ao enfrentar seus inimigos em batalha não deve temer a morte de modo mais intenso do que a derrota. E, além disso, não deprimir-se com a morte de um amigo, de modo a desistir da luta. O guardião deve ser corajoso e forte e, para tal, a sua educação não deve abarcar narrativas em que deuses aparecem se lamentando como o mais vil dos homens.
Portanto, na pólis, as artes devem ser condicionadas por tudo que é bom e justo, visando à formação de seus cidadãos. Essa abordagem de Platão não permite afirmar que ele dispensa as artes no seu ideal de cidade, mas somente aquelas que prejudicam uma boa educação. Os homens virtuosos não deveriam, pois, imitar em peças teatrais homens vis, nem loucos, nem qualquer espécie de obscenidade, não porque não poderiam, mas porque não quereriam. Esse é o lugar assegurado para a arte na pólis ideal. E tais críticas da parte de Platão às artes se concentram, num primeiro momento, no campo moral.


A ARTE É UMA CÓPIA DA CÓPIA.

No livro X d’A República Platão faz uma crítica não tão prática como a descrita no capítulo anterior, mas uma crítica que se funda na sua teoria das idéias ou hipótese inteligível. Antes de passarmos à crítica porei em breves palavras o que se entende correntemente a respeito da teoria das idéias.
Basicamente Platão afirma que há dois níveis de percepção: o nível do sensível e o nível do inteligível. O que conseguimos captar através dos sentidos é insuficiente para apreendermos algo, pois quando achamos que sabemos o que algo é, logo o vemos ser transformado pela força do devir e da corrupção e aquilo que captamos já não é mais o que era, e isso ocorre por um motivo: não captamos o que faz com que essa coisa seja o que ela é, a sua idéia. E só no nível do inteligível podemos conhecer satisfatoriamente todas as coisas, desfazendo-nos das sombras sensíveis e corruptíveis que tínhamos por verdadeiras. Assim, quando vemos uma cadeira, vemos algo que participa da idéia de cadeira e que faz com que qualquer cadeira que vemos seja uma cadeira, há várias cadeiras, mas somente uma idéia de cadeira da qual todas participam, a multiplicidade e a unidade, em que a primeira é corruptível e dada aos sentidos e a segunda é eterna, sempre a mesma, incorruptível e dada ao intelecto.
É a partir desse pensamento que Platão faz mais críticas a arte, visto que, ao considerar o criador das idéias (Deus), um criador de coisas perecíveis, por exemplo, um marceneiro que faz uma mesa, e por último, um pintor que também faz essa mesa de uma perspectiva específica, temos pois, três mesas: A MESA, a cópia dessa mesa e a cópia[1] da cópia da mesa. A mesa desenhada pelo pintor está três vezes distante da mesa ideal. A crítica está baseada na comparação entre ciência e arte, esta se encontra, pois, distante da verdade e por isso deve ser considerada inferior à ciência.


A APARENTE CONTRADIÇÃO.

Platão abomina o caráter mimético da arte, no referido caso de exemplo, mas também na poesia, no teatro e nas artes em geral.
Mas o que chama a atenção é que Platão fora um feitor de mímesis no passado[2] e no momento em que escreveu a República continuava sendo. Pois falava na boca de suas personagens como um verdadeiro poeta mimético e escrevia mitos como ninguém de seu tempo. Porque faria críticas a respeito de uma característica que ele mesmo compartilhava? O fato é que ele queria uma mudança paradigmática na educação dos gregos, queria introduzir o lógos calculador na educação dos cidadãos da pólis através do estilo novo que criara: o diálogo filosófico.
Mas será que todas essas críticas tinham por fundamento apenas seu desejo de introduzir-se como educador da Grécia no lugar de Homero? Não. Platão criticou a mímesis? Sim. Ele era mimético? Sim. Mas era o mesmo tipo de mímesis? Claro que não. Agora sim estamos no caminho certo. Esta passagem da República nos esclarecerá essa questão:


...mas, olhando e contemplando objetos ordenados e
que se mantêm sempre do mesmo modo, que não prejudicam
nem são prejudicados uns pelos outros, todos em ordem
(kósmoi) e comportando-se segundo a razão (lógon), é isso
que imitamos (mimeîsthaí) e a isso nos assemelhamos
(aphomoioûsthai) o mais possível (VI, 500b9-c6)[3].


Não são às cópias que Platão imita, mas as idéias perfeitas e imutáveis, esse tipo de arte é permitido e incentivado na cidade idealizada por Platão.


CONCLUSÃO



Platão fez primeiramente críticas de ordem ética e moral baseada no tipo de educação que ele almejava para sua cidade, posteriormente sustentou-se na sua teoria das idéias para fazer a sua crítica mais ferrenha, porém quando lemos A República pela primeira vez temos a impressão de que Platão é totalmente avesso a qualquer tipo de arte, o que se mostrou contraditório pelo fato dele mesmo aparentemente se encontrar inserido na classe de pessoas que ele critica, contradição que foi no mínimo esclarecida neste trabalho. Acredito que toda essa polêmica a que Platão esteve e está sujeito é justificada pelo seu desejo nostálgico de voltar a era de ouro dos sábios em que as palavras diziam exatamente o que as coisas são e a arte talvez estivesse isenta de culpa.




BIBLIOGRAFIA

Rogue, Christophe. Compreender Platão, tradução de Jaime A. Clasen. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
Platão. A República, tradução de Leonel Vallandro. Editora Globo, Porto Alegre-RG, 1964.

Periódico: cadernos uf5-filosofia, Platão e a crítica mimética a mímesis, Jovelina Maria Ramos de Souza. Departamento de Filosofia e Ciências Sociais do Estado do Pará.
[1] O termo utilizado por Platão é Mímesis e significa imagem, cópia, imitação.
[2] Platão antes de escrever diálogos filosóficos escrevia peças.
[3] Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira.

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